Coberturas
Além da tela do cinema
Café com Letras, 07/06/2014
Por Vitor Cruz
Filosofia, política, poesia, psicanálise e interpretações jurídicas podem estar presentes em qualquer obra do cinema. Com um olhar mais apurado, é possível perceber nuances que perpassam o roteiro de um filme. É a partir dessas interpretações que o advogado e professor, Bernardo Nogueira, lançou o livro “Cinema e Filosofia” (Arraes Editores). Por meio de análises plurais, o autor dialoga com diversas vertentes artísticas para imprimir sua opinião a respeito das obras selecionadas. O lançamento ocorreu no Café com Letras, no sábado (7), e reuniu alunos, familiares e amigos do autor.
Os ensaios de Bernardo nasceram do flerte que ele tem com a escrita. Em 2007, após a conclusão de seu mestrado em Coimbra, Portugal, ele voltou para Minas Gerais e, durante algumas conversas, especialmente sobre filmes, no Armazém da Arte, em Itabirito, decidiu publicar suas interpretações cinematográficas. “A primeira impressão que você tem do filme não é a única e, muito menos, a absoluta. O livro tem muitas perguntas. É um livro sobre filmes, com filosofias, com muitas perguntas e cheio de questões existenciais”, apontou.
Das grandes obras do cinema, como “O Nome da Rosa”, “Sociedade dos Poetas Mortos” e “Caravaggio”, às películas alternativas – “Ninfomaníaca I e II”, por exemplo, “Cinema e Filosofia” traz 45 ensaios curtos sobre 45 obras variadas, passando pela indústria norte-americana, o existencialismo europeu e a veia política dos latino-americanos. Entre escolhas pessoais – ou indicações de amigos – o autor relaciona diferentes histórias com literatura, filosofia, música. “Não é uma narrativa técnica sobre cinema. Não há explicações sobre luz, câmera. A intenção é conversar e entender o cinema como uma forma de construção do nosso imaginário”, disse Bernardo.
Esse imaginário citado pelo autor se faz presente, inclusive, nos títulos dos ensaios. No lugar de introduzir o nome do filme, Bernardo optou por inserir, logo no início do texto, sua própria interpretação da obra. Ninfomaníaca, por exemplo, virou “Nu e Assado”. “Os Miseráveis” pode ser entendido como “Variações de Amor” e “Argo” é a “Embriaguez de mentira”. A respeito dessas alterações nos títulos, o autor explica que essa é a maneira como ele analisa ou entende cada película que assiste. “Esse livro significa uma confissão que eu faço em palavras acerca dos sentimentos e pensamentos que cada filme me suscita, a priori”.
O livro de Bernardo, em si, entende o próprio cinema a partir do ser humano. As análises e os diálogos artísticos estão lá, mas o homem, e a interpretação que o próprio autor dá às relações existentes em cada filme, tornam “Cinema e Filosofia” um livro essencial para quem pretende entender a indústria cinematográfica como uma manifestação para além do entretenimento. Três obras que nortearam as produções americanas nos últimos anos, “A Hora Mais Escura”, “Argo” e “12 Anos de Escravidão” figuram na lista dos filmes analisados.
“O cinema norte-americano é espetáculo. O ‘12 Anos de Escravidão’ é um espetáculo da discriminação. O ‘Her’ é a nossa entrega às máquinas. Que amor é esse que a gente tá vivendo agora? Ou seja, para eles, é uma indústria. O que eu busco no cinema norte-americano é essa cientificidade que eles tratam o cinema. Eles são precisos. Um filme como Her, você está vendendo uma nova forma de existir, uma nova forma de amar”, explicou.
Professor de direitos humanos no Centro Universitário Newton Paiva, Bernardo não poderia deixar de falar sobre o tema que leciona. O exemplo fica com “A Hora mais Escura”, no livro, “Quem inventou a hora certa?”. O filme aborda a caçada norte-americana contra o terrorismo. Além do trabalho de Kathryn Bigelow, Bernardo correlaciona a saga da blogueira cubana, Yoani Sanchéz, que tem se levantado contra o regime ditatorial cubano, e do ciberativista australiano, Julian Assange, diretor do site WikiLeaks.
“Esse texto nasceu na sala de aula. Eu falava sobre direitos humanos e você vê a Sanchez, que recebe uma grana para falar mal de Cuba, os americanos dizem que ela não tem liberdade em cuba, mas ela mantém um blog para criticar o país. Então, o que é essa história de não ter liberdade? Do outro lado, o Julian Assange, que viveria em um país supostamente democrático, está exilado na embaixada do Equador, porque ele divulgou informações sigilosas. Isso me chama a atenção. O cinema muito importante para que você leia o que está por detrás da história norte-americana. Eles fazem um cinema muito paradoxal”, disse.
O cinema nacional tem representantes de peso. “Faroeste Caboclo” e “Tropa de Elite II”, sob o olhar de Bernardo, ficaram assim: “Violência é e sempre será violência” e “O herói que sucumbiu pelo amor”, respectivamente. Além de desconstruir a imagem hercúlea dos protagonistas dos filmes, o autor correlaciona as obras com a saga político-social da América Latina. “O cinema não está fora da realidade, ele é a realidade. As produções latino-americanas têm um cunho muito político. É necessário fazer o cinema contar a nossa história, para que o povo da região saiba quem ele é. Eu tenho essa necessidade de assistir a um filme latino-americano para saber quem eu sou”, destacou.
Autor de outros títulos, a ligação do autor com as artes se faz muito mais presente do que com o próprio Direito. Mas as análises jurídicas das obras também ganham destaque em “Cinema e Filosofia”. O documentário “Lixo Extraordinário recebeu o título de “Peça e Jogador”. Para Bernardo, a obra pode significar uma “tentativa de como o direto quer regulamentar o lixo, ele quer colocar lei nisso. Como é compatível, um ser humano que vive no lixo e dentro do direito? São filmes bem apelativos bem apelativos para uma aplicação mais concreta do direito”.
Fotos: Vitor Cruz
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